domingo, 16 de agosto de 2009

EU, ABDUZIDA




Dia de sol e clima quente, ou noite serena e clima ameno, nada disso era suficiente para me fazer abrir um sorriso. Eu era bem jovem naquela época, mas havia acabado de passar por uma experiência extremamente impactante. Todos diziam: “katarine é a moça mais bonita do bairro”, mas depois de tudo o que passei só conseguia ver através de meus olhos a escuridão que se encontrava a minha alma. Não havia mais beleza, apenas um rosto inchado, vermelho e olhos opacos; uma tristeza que, para mim, era plenamente compreensível. Mas não entendia o motivo de não conseguir virar a página da minha vida, mesmo depois de duas semanas. Alguns diziam que com o tempo iria melhorar, mas não consegui sentir a tal melhora. Não é fácil, eu sei! Tinha acabado de perder as pessoas que mais amava: meu futuro marido, meus pais e meu único irmão. Sentia-me sozinha, desamparada e sem direção. Mas já era tempo de eu enfrentar o ocorrido e viver, só não encontrava forças para prosseguir. Estava, realmente, desistindo. O sol nascia e dormia, mas meu o corpo não acompanhava o ritmo do dia e da noite. Nem meu organismo sentia mais forme ou sede. Às vezes comia e bebia algo para não morrer, mas era totalmente forçado e em pouca quantidade. Fiquei magra, desnutrida, mas não me importava com isso. Aliás, nada mais me importava. Muitas vezes virava a noite chorando e durante o dia apagava de tanto cansaço.
Pensei que jamais iria passar por outra experiência ruim em minha vida. Mas estava enganada. Em uma noite de sexta-feira, um novo bombardeio veio sobre mim. Lembro-me que fui à janela de meu quarto e fiquei olhando para o céu. O vento batia em meu rosto trazendo o odor da chuva que caia em um lugar próximo, o que só fazia com que as lágrimas escorressem mais e mais. A sensação era tão agradável, mas me fazia recordar de alguns momentos felizes, o que me enchia de dor por constatar que não os viveria mais. Eu me desesperei. Olhei para minhas mãos e lá estavam as duas alianças: a minha e a de Moisés. Estava com remorsos por ter dito, no dia anterior a sua morte, algo que o magoou. Não acredito que disse que era jovem demais para assumir um compromisso com família e filhos! Então eu fechei os olhos e arranquei as alianças com violência jogando para fora da janela. Fui tomada por múltiplos sentimentos que entraram em conflito: fracasso, remorso, saudade, dor, fúria, e vontade de ser feliz novamente. Saí do quarto correndo e joguei para longe todos os porta-retratos que estavam espalhados pela casa. A única coisa que não queria naquele momento era lembrar-me das cenas que vivenciei. Então, depois da crise, encostei-me na parede e escorreguei até me sentar, atônita. Fiquei assim por alguns segundos, mas uma luz que vinha do quarto me chamou a atenção. Corri para lá e me deparei com minha família e meu noivo. Enlouqueci. Comecei a gritar. Então eles se aproximaram e taparam minha boca, segurando-me para que eu não fugisse. Uma luz forte veio sobre nós e essa foi a última coisa que me lembro antes de acordar em uma sala muito clara. Havia algumas pessoas em minha volta conversando em uma língua estranha. Por um momento pensei que havia morrido, mas me belisquei e vi que ainda tinha carne e osso. Percorri com os olhos para ver se achava minha família e meu noivo, mas nada encontrei.

Aquelas pessoas conversavam entre si e me olhavam. Eu era o assunto, provavelmente. Fiquei curiosa demais e acabei chamando a atenção daqueles homens que vieram em minha direção. Fiquei com medo, mas esperei para ver o que eles queriam. Eles me perguntaram alguma coisa, mas não entendia a língua. Até que um deles tocou com o dedo indicador em minha testa e em segundos se transformou em mim. Fiquei perplexa com o que vi. Era como se me olhasse no espelho. Percebi, então, que estava lidando com algo não humano, um alienígena, quem sabe. Assustada, tentei sair daquela sala, mas um deles fez um gesto com a mão na frente de meus olhos e fiquei imóvel. Não tinha mais controle sobre meu corpo. Ele me colocou deitada novamente e obedeci como um cachorrinho, sem resistência. Aquilo foi incrivelmente estranho. Parecia algum tipo de hipnose. Antes de saírem do quarto, o ser que tomou a minha forma disse em minha língua para eu me acalmar, pois quanto mais resistisse, mais demoraria a minha volta para casa. Então decidi obedecer, mas não conseguia dizer isso a eles. Fiquei de castigo naquela posição algumas horas.

Que sensação horrível foi aquela! Um minuto parecia uma hora. Parece que o corpo inteiro resolve coçar e eu incapaz de resolver a situação. Naquele momento comecei a sentir fome e sede. Por incrível que pareça, quando uma daquelas criaturas apareceu na sala senti-me aliviada. Ele fez outro gesto na frente de meus olhos e lá estava eu com todos os meus sentidos e movimentos novamente. Ele carregava em uma das mãos uma bandeja com alimentos, mas só bebi o líquido. Parecia um tipo de suco concentrado. O sabor não era nada agradável, mas estava com muita sede para recusar. Ele esperou eu beber o suco e logo depois me perguntou se eu iria deixar eles me examinarem. Estranhei por ele estar falando a minha língua. Ele disse que queria conhecer os sentimentos humanos, pois me observaram na terra e perceberam que eu emanava energias devastadoras durante o momento em que estive deprimida. Ao mesmo tempo, eles se surpreenderam com as energias que saiam de mim quando eu estava feliz. Disse-me que elas eram capazes de curar doenças. Disse-me, também, que eu era uma das pessoas mais emotivas da Terra e que precisavam pesquisar o poder dessas emoções. Aproveitei para perguntar que lugar era aquele em que eu me encontrava. Era um Planeta chamado Noshie. No mundo deles os sentimentos não eram conhecidos. Muito menos o poder que pode emanar desses sentimentos.

Os Noshienianos eram evoluídos demais ao ponto de adquirir a característica humana. Viviam entre nós para fazer suas pesquisas, mas nunca conseguiram entender nossos sentimos. Até esse momento eu os compreendi; é absolutamente compreensível a curiosidade, o desejo de evoluir com a experiência dos outros. Até me dispus a ser objeto de pesquisa. Não tinha mais nada a perder na minha vida e acreditei que seria bom ajudar alguém a adquirir algo importante para seu desenvolvimento. Mas sem querer, aquela criatura, que se chamava Jubsh, revelou que foram eles os responsáveis pelo massacre de minha família e do meu noivo. Não pude acreditar que para pesquisar sobre energias dos sentimentos alguém pudesse fazer tanto mal a outra pessoa, mesmo que não fosse de sua mesma natureza. Então, enlouqueci de vez. Quebrei toda aquela sala. Os outros alienígenas entraram e quiseram me imobilizar novamente, mas Jubsh não deixou. Disse que queria gravar toda a minha reação. Eles eram insensíveis ao ponto de fazer tal crueldade em nome de seus estudos, sua ciência. Isso era inconcebível para mim! Eles tiveram a coragem de torturar e assassinar as pessoas que eu amava enquanto eu assistia a todos os atos de crueldade presa a uma cadeira, amordaçada. Nunca me esquecerei daquelas cenas de terror e violência. Aqueles seres são indescritivelmente desumanos.

Depois de ter soltado todo o meu furor em cima deles, fiquei tão cansada ao ponto de desmaiar. Acredito que a má alimentação durante todos aqueles dias começou a me trazer conseqüências ruins. Quando acordei, lá estava eu, novamente, naquela maca. Só que desta vez estava nua, cabeça raspada, tomando algum tipo de soro colorido na veia, cheia de fios grudados em meu corpo e toda furada de prováveis exames de sangue. Os insensíveis me pegaram de vez. Queria matá-los, se pudesse! Mas me sentia tão fraca que dormi novamente.

Quando acordei estava me sentindo melhor. A criatura que assumiu a minha forma veio retirar os equipamentos que estavam grudados em mim. Ele se chamava Roveloe. Ele me disse que o chefe deles queria me ver. Pediu que alguém trouxesse alimentos para mim e me deu uma roupa comprida, semelhante à roupa que eles usavam. Pediu que eu a vestisse para encontrar o Chefe Mor. O alimento tinha sabor parecido com os nossos, mas as cores eram tão gritantes que dava até medo de comer. Enquanto comia, conversei um pouco com Roveloe e descobrir que seu nome significa “sensato”, na língua deles. Ele me perguntou várias coisas sobre os sentimentos, como o amor, o ódio, a raiva. Falei, também, da inveja, do egoísmo, do medo. Ele não conhecia nada semelhante, mas me olhava com ternura. Então perguntei por que ele me olhava assim. Ele pensou, pensou e disse que não estava me olhando diferente, mas que no momento em que eu perguntei, desejava que eu voltasse a exalar as mesmas energias que me viu exalar quando estava feliz. Apontei para o seu peito e perguntei se ele sentia alguma sensação ali. Ele disse que não. Então eu disse que o que ele desejava para mim era bom. Querer bem significa amor, ternura, carinho. Deveria, então, sentir uma emoção naquela região. Ele sorriu.

Fui conversar com o Chefe Mor. Era uma sala enorme e muito mais iluminada do que a que eu me encontrava. Ele não tinha a aparência dos outros que se pareciam com humanos. Fiquei com medo, pois tinha o aspecto demoníaco misturado a uma criatura alada com olhos de leão. Perguntei se aquele era o aspecto original da espécie deles. Ele confirmou balançando a cabeça e pediu que eu me aproximasse. Hesitei por um instante, mas ele não demonstrava que queria me fazer mal, então me aproximei. Ele me tocou na testa e tomou a minha forma, assim como Roveloe. Entendi que eles assumem a última forma humana em que tocam. Era estranho olhar para mim mesma, mas me sentia bem melhor do que olhar para aquela figura demoníaca. Então, me senti mais a vontade para perguntar se a ciência deles era tão importante ao ponto de fazer mal para alguém, mesmo que essa pessoa não fosse da sua espécie. Eu desabafei. Disse que sofri muito por ter visto aqueles homens sacrificarem minha família. Fiquei sozinha, desamparada, desesperada. Eles conseguiram acabar com a minha vida em um só dia e nada mais fazia sentido para mim. Mas o Chefe Mor não parecia ter se comovido com a minha história. Friamente, disse que para eles não existe mal nem bem. Existe fazer o que é necessário. Se era preciso ativar as sensações que seriam estudadas, então, tinha que ser feito. Disse que me chamou ali não para perguntar e sim para responder. Eu fiquei indignada; chorei; xinguei aquele ser desprezível de tudo quanto era nome horroroso que conhecia e o ataquei. Ele simplesmente levantou a mão e fez aquele gesto que me deixou imóvel. Mas mesmo inerte consegui impressioná-lo de alguma forma. As lágrimas continuavam a escorrer sobre a minha face porque meu interior continuava chorando, mesmo depois de ele ter me imobilizado. Ele se aproximou e ficou me olhando por alguns minutos. Então, pegou um objeto parecido com um frasco de perfume e colheu as lágrimas como amostra. Chamou seus súditos e saíram da sala me deixando ali sozinha por algumas horas.

Quando retornaram, ele disse-me que me mandaria para casa naquele momento e que devolveria o que me tirou, pois eu havia colaborado para que eles descobrissem algo que mudaria sua civilização. Uma luz forte veio sobre mim, assim como aquela que me levou para o Planeta Noshie. Quando dei por mim estava deitada em minha cama. Tudo parecia um sonho louco se não fosse minha cabeça raspada, os furos e hematomas pelo meu corpo. Abri a porta do meu quarto e quase caí para trás; meu pai estava lá, na minha frente. Por um momento pensei que fosse uma das criaturas transformadas, mas o carinho de meu pai me convenceu que era ele mesmo. Ele se assustou com a minha aparência, me perguntando por que estava careca, mas eu nem consegui responder. Corri para a cozinha gritando pela minha mãe e lá estava ela, linda como sempre. Só entendi o que aconteceu quando vi a data no jornal que estava sobre a mesa. Eles me devolveram para meu Planeta em um tempo passado, exatamente duas semanas e meia antes da tragédia. Depois de passar por tudo isso, tive que pedir desculpas a Moisés, meu noivo, mesmo que ele não entendesse o motivo. Afinal, voltei à Terra antes de dizer aquela besteira para ele. Foi engraçada a sua reação, mas levamos tudo muito bem, inclusive a minha careca. Disse que haviam me confundido com um calouro na faculdade. Belle, gostaria de estar te contando isso pessoalmente, mas estou morrendo e não dará tempo de você chegar da França, eu sei. Sabe o que quero dizer com toda essa revelação que mais parece uma loucura? É tão louco que nunca havia contado para ninguém, minha filha! Mas acredito que esta é a hora e a pessoa ideal; espero que te ajude a pensar melhor sobre terminar com Frenk. Ele esteve todo esse tempo comigo aqui no hospital. Ele te ama. E sei que você o ama também e não quero que perceba que fez uma terrível besteira tarde demais. Lembre-se que não existe nada no universo mais importante do que o amor. Nós tivemos o privilégio de conhecê-lo e temos que valorizar cada momento da vida, explorando esse sentimento sublime.

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